sábado, 3 de abril de 2010

O medo e o conformismo

O medo e o conformismo dominam a existência do maior número de seres-humanos. O medo de mudanças conduz fatalmente ao conformismo. O conformismo produz a estagnação. Estagnado, o individuo se sujeita a um estado de desintegração lento. Quando olhamos superficialmente para este tipo de individuo sujeito às condições acima descritas, ele dá-nos a nítida impressão de ignorar a dor que o fustiga e parece-nos feliz em suas ocupações rotineiras. Mas, quando o observamos com nosso olhar perscrutador, crítico, analista, invasor, percebemos logo que a dor que o fustiga não é de fato ignorada por ele, apenas relegada a um segundo plano em suas atividades diárias. Logo notamos que ele aprendeu a conviver com essa dor e a considera parte inseparável de sua natureza. Supõe que a herdou exatamente como suas características genéticas e, portanto, terá que aceitá-la como tal. Não questiona a natureza mesma dessa dor, sequer imagina que pode ser amenizada, menos ainda que poderia ser extirpada. Aprendeu a conviver com esta a tal ponto de sentir-se incompleto se algum dia esta desaparecesse totalmente. Sentiria-se nú sem a presença dessa dor. Considera-a parte de sua personalidade, afinal é esta dor que o faz sentir-se consciente de si mesmo: sente-se parte integrante de um todo quando sente doer profundo em seu ser; é essa dor que o faz lembrar-se de que é humano, frágil, mortal, limitado, imperfeito. É essa dor que lhe grita ao pé do ouvido a plenos pulmões: você está vivo!
Essa mesma dor que o conscientiza de sua própria existência é a que também lhe impõe a necessidade de lutar contra a estagnação; ele, por sua vez, dominado pelo medo da mudança e impossibilitado pelo comodismo, nega-se a cumprir esse imperativo e é fustigado novamente pela dor, agora acentuada pela volta completa nesse círculo vicioso.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Quem sou eu?

Eu não tenho medo de que todas as fronteiras que impedem ou limitam meu ir e vir deixem de existir um dia. Eu não temo o dia em que não haverá mais a pluralidade de Estados; tampouco o dia em que não haverá mais governos pretenciosos e arrogantes que teimarão em se sobrepor pela força ou pela influência, a outros governos. Eu não temo o dia em que a pluralidade das línguas que hoje dificultam o entendimento entre os seres-humanos deixem completamente de existir. Eu aguardo ansioso o dia em que todos falaremos uma mesma língua e, sinceramente, não me importa qual seja esta. Desde que seja a língua em que todos os livros serão escritos e, portanto, lidos e entendidos por todos - visto que as nuances culturais particulares não mais existirão como uma dificuldade natural. Talvez o avanço da Genética proporcione a todos um padrão físico similar, onde diferenças de altura, peso, cor dos olhos, pele e cabelo não sejam mais obstáculos para os relacionamentos que ainda os consideram essenciais; e todas as doenças herdadas genéticamente sejam extirpadas definitivamente da raça humana, proporcionando a todos uma saúde atualmente ainda idealizada. Com o desaparecimento das diferenças gritantes entre os seres, desaparecem também inúmeras causas de desavença. Presumo que outras surgirão, mas até lá, quem sabe, a Genética não terá encontrado uma forma de anular a propensão à violência que caracteriza uma gama siginificante de individuos contemporâneos. Não sei se esta seria a forma correta de evitar os crimes e abusos absurdos que esta característica favorece, embora acredite que o fim justificam os meios. Nesse caso: a convivência pacífica entre os seres numa sociedade. Acredito que com uma maior oferta de oportunidades e, consequentemente, distribuição de renda, esse processo será espontâneo. Toda forma de interferência genética em nosso corpo corrobora com a suspeita disseminada nas melhores novelas de ficção-cientifica, onde uma mente maléfica nos transmuda segundo planos diabólicos de domínio absoluto de nossa vontade. Se isso for verdade, isto é, de que isso é realmente possível e que isso nos ofende, então estamos absurdamente atrasados quanto à indignação perante o fato de que nossa vontade há muito não nos pertence. Como assim? Há muito que nossos destinos, nossos gostos, nossos desejos, nossos limites, são determinados por um consenso padronizado. Há muito que nós não somos mais nós mesmos. Há muito que perdemos o vínculo com nossa identidade natural. Em seu lugar adotamos outra ou outras, afinal, quando pensamos sobre nós, inquirimos sobre nossa ocupação profissional, o lugar em que vivemos, nossos genitores; nossa língua; os costumes adotados pela sociedade/grupo ao qual pertencemos. E tudo isso e muito mais determina quem somos. Posso então afirmar, a partir dessas inferências, que eu sou um produto do meio. Logo, esse produto passa longe de minha real natureza, de meus verdadeiros anseios como indivíduo pertencente a uma raça com uma longa trajetória evolutiva. Esse homem social padronizado que não é mais senhor de sua própria vontade, que não se reconhece mais como produto dessa linha evolutiva e sim como produto de um meio artificial e temporário, não se reconhece mais como possuidor de uma identidade autêntica. Pobre homem que agora não possui mais nada de concreto em seu Ser que justifique uma relutância em aceitar a padronização definitiva de todos os seres-humanos. Ao homem contemporâneo só resta aceitar que é parte desse processo; que a culpa por esse processo irreversível não é inteiramente sua; que ninguém espera que tente pelo menos revertê-lo, afinal, o resultado dessa loucura seria pior que a consolidação mesma desse processo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O que será de nós?

Chove demais na cidade. Quando o sol insiste, torna-se tórrido. O suor escorre pelo meu corpo. Minha respiração torna-se ofegante em pequenas distâncias percorridas sem muito afoito. Respiro, pois tenho que viver, mas esse ar é cálido como o hálito de um demônio; como o vapor de um vulcão. Será que sobreviverei às transformações pelas quais minha querida Terra passa? Será que ela me considerará digno de morar em sua nova superfície? Eu, justamente eu, que quando atentei contra ela - ou contra suas criaturas (vegetais, minerais, orgânicas) - não o fiz por maldade, e sim por ignorância, inocência. Será que a mãe Terra é capaz de perdoar meus erros. Será capaz de me perdoar por todos os pernilongos, baratas, aranhas e ratos que matei? Será capaz de me perdoar se ainda continuar dizimando-os todas as vezes que me perturbam; toda vez que se tornam inconvenientes? A verdade é que nem todos os que respiram e se locomovem por sobre esta superfície será digno de habitá-la quando ela mudar toda sua roupagem. Qual a nossa culpa nessa mudança? refiro-me à nossa culpa particular e não àquela que atribuímos aos governos. Sei que delegamos responsabilidades aos governos quando aceitamos sua existência, mas esperar que eles limpem nossa sujeira particular é demais; esperar que eles assumam responsabilidades por nossos atos é arrogância; no mínimo, insensatez. Somos todos adultos e percisamos reconhecer nossas responsabilidades com relação à nossa querida mãe Terra que não deixava, até então, nada faltar para a nossa sobrevivência. Ela facilitou e nós lhe ferimos o ventre com faca afiada; ela sangrou e para não perecer necessita urgentemente reparar o ferimento, e o fará. Nesse ato ela, tal qual fera ferida, não exitará em sacudir de seu dorso seu cruel e ingrato agressor. Se Deus existisse rogaria a ele clemência? Não, não o faria. Seria uma demonstração de falha em meu caráter. Se o fizesse num gesto de desespero, não teria, posteriormente, como fitar meu semblante num espelho; não conseguiria acomodar minha consciência num travesseiro - mesmo este sendo feito de penas de ganso. Tenho minha parcela de culpa, não nego, e como também não acredito em divindades que poderiam amenizar essa culpa ou reverter com um milagre todo o estrago causado, só me resta assumir que meus atos impensados contribuem e muito para a deterioração deste planeta que habito. Só assumir a responsabilidade não contribui para amenizar o quadro crítico em que o planeta se encontra. A solução correta exige uma atitude radical. Não sei se eu mesmo estou disposto a me privar de certos confortos para o bem do planeta, mesmo que esteja implícito nesse conceito, o meu próprio bem. Como então exigir que o outro - meu semelhante -, faça por mim o que reluto em fazer por ele? Considerando-se que este é o pensamento predominante entre nós, só nos resta aguardar o momento em que as condições do planeta se tornem impróprias para uma vida saudável, tal como experimentaram nossos antepassados pré-históricos, quando a água era límpida e o ar respirável. Essa foi nossa herança das gerações passadas. Nosso legado às gerações futuras será um planeta desolado, destituído de sua beleza, infértil, impróprio à sobrevivência. Bem, talvez as baratas, ratos e pernilongos que eu não conseguir matar possam viver nestas condições.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Globalização - novas considerações

Após duas guerras sangrentas a Europa criou um mercado comum e posteriormente, após a consolidação desse mercado, desenvolveu e aplicou o conceito de uma Europa Unificada. A União Européia é uma realidade hoje como todos podem constatar. Quanto tempo levará até que esses Estados, hoje autônomos, unam-se, finalmente, numa única nação? É dificil estimar essa data, mas ela ocorrerá talvez mais cedo do que muitos supõem. O Nafta é um mercado que inclui, inicialmente, unicamente estados norte-americanos. Estas restrições querem dizer apenas que o processo de um mercado totalmente globalizado é lento e requer etapas. Todas essas experiências visam a possibilidade de um avanço seguro que garanta a consolidação desse processo. O mercosul é um outro exemplo de mercado que inclui estados sul-americanos. Aqui também verificamos um certo bairrismo natural nesse processo e entendemos que este bloco também exige uma experiência antecipada. Outros mercados proliferam por todos os cantos do planeta unindo num mesmo ideal (econômico em princípio) estados distintos. Alianças com um mesmo ideal - tanto para o bem como para o mal - sempre existiram. Portanto, a idéia de uma aliança mundial entre todos os mercados existentes, sujeitos a um só conjunto de regras, possuidor de uma mesma moeda, onde a mercadoria produzida não terá necessariamente uma identidade nacional, pois, em sua maioria, produzida por empresas que se estabelecem em todos os países, não é uma idéia absurda, pelo contrário, será naturalmente, o próximo passo a ser adotado. Os apelos pela defesa de uma identidade nacional deixarão de fazer sentido quando esse 'mercado comum mudial' se tornar uma realidade. Na verdade, hoje, todos os Estados negociam entre si e já existem instituições que regem esses negócios: a O.M.C. é uma dessas organizações. Existem outras que regem assuntos do interesse de todas as nações e que visam evitar os abusos que naturalmente seriam impostos pelos Estados desenvolvidos: O.M.S., ONU, OTAN, OPEP, UNESCO, etc, fora os inúmeros tratados que caracterizam aspectos particulares das relações entre Estados. O intercâmbio de mão-de-obra especializada, a exportação de tecnologias e a industrialização de todos os países colocam em xeque as fronteiras e as barreiras culturais existentes. Estes empecilhos (fronteiras, alfândegas, línguas, moedas próprias, identidade cultural), tornam-se inconvenientes para uma economia que rejeita barreiras. No passado histórico muitas barreiras foram rompidas quando se tornaram inconvenientes; e muitas de forma violenta. No atual estágio da economia as barreiras que ainda teimam em restringir o avanço de seu desenvolvimento já começam a ser minadas. Nada deve ou poderá interromper esse processo milenar de globalização: o capital não reconhece fronteiras. Ele precisa se espandir e se utilizará de todos os recursos possíveis para o seu total desenvolvimento. A democratização da educação e do emprêgo será um passo imprescindível para a consolidação desse processo. E essa democratização se dará com o aumento da oferta de ensino de qualidade ministrado por instituições que visam a formação de mão-de-obra competente. E a competência será o critério de escolha do candidato para qualquer cargo nas empresas que encabeçam esse processo. A competência determinará o fim dos privilégios de classe social e raça. Um indivíduo não sofrerá mais o preconceito de ser oriundo de determinada região não privilegiada do planeta. Será reconhecido pela sua capacidade de produção segundo sua especialidade. Nem tudo será perfeito nesta economia globalizada. Provavelmente o conceito de política que temos atualmente será considerado obsoleto nesta configuração. Esse mercado complexo em que será transformado o mundo que conhecemos será regido por uma admistração eleita pelas grandes corporações. Não se pode cogitar a hipótese de um mercado livre de competições entre as corporações e entre os indivíduos tal como temos hoje. Como não sou economista sequer suspeito suas possíveis crises. Sei que elas poderão existir, mas seus efeitos serão minimizados justamente porque serão distribuidos igualitáriamente. Que tipo de crise poderia assolar uma economia globalizada? Arrisco a dizer que nenhuma das que existem, mas não posso afirmar; para isso necessitaria entender profundamente a economia. Não é o meu caso. Mesmo assim, isto não me impede de tecer considerações a respeito. De qualquer forma a economia é apenas um dos aspectos desse processo, embora o considere o mais importante. Existem outros, é claro, mas subalternos ao anterior. Afinal, a identidade de um Estado é superior à sua necessidade econômica? O que um individuo, de qualquer nação, visa primeiro, o estômago ou a preservação da identidade?

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Globalização

Há muito se fala em globalização, conceito que, inevitavelmente, inclui a padronização da cultura e dos seres humanos. Quanto mais globalizado o individuo, mais próximo de uma cultura genérica ele se encontra; e, obviamente, mais distante de sua própria cultura. Quanto maior essa referida cultura genérica (geral), mais abrangente o poder de sua influência. Em que recanto do planeta traços dessa cultura geral ainda não chegou? Neste século nascente não existe recôndito onde ela não exerça algum nível de influência - por menor que seja, embora nunca insignificante. Como se nos apresenta essa cultura geral? Através da economia, do comportamento, da arte, da educação, ciência e tecnologia, midias - principalmente as eletrônicas como a internet e a televisão. Como interagimos com ela? Através da adoção de seus princípios: o principal entre eles é o conceito de inclusão. Todos queremos fazer parte da globalização, pois, numa primeira acepção, ficar de fora significa permanecer num estado primitivo da civilização; renegar o novo é admitir seu misoneísmo, enquanto globalizar-se é estar permanentemente sintonizado com as novidades. Em novas acepções, passamos a compreender que a globalização é um processo irreversível de mudanças significativas que envolve o mundo e tudo o que este compreende, incluindo a natureza e as culturas primitivas. Definitivamente, avançamos a passos largos rumo à padronização social e genética. É inevitável que as culturas - hoje separadas pelas suas diferenças - venham a integrar-se no sentido de originar talvez não um conjunto de valores híbridos, mas, principalmente, um conjunto novo de regras e valores que regerão todo o comportamento humano a partir dessa grande fusão: essa fusão está em processo desde os primórdios da civilização; na contemporaneidade assistimos a aceleração desse processo. Nunca antes as transformações foram tão vertiginosas, nem tão pacíficas, embora o último século tenha sido um dos mais sangrentos da história. Mas esse fato se deu basicamente porque a questão da identidade num mundo que se sintetiza tornou-se fator crucial. A luta da identidade particular neste processo expressa a recusa do ego em aceitar a sujeição ao coletivo. O que o ego desconhece é o fato de que essa sujeição não será absoluta. Trata-se aqui de uma troca justa onde cede-se uma parte de si para receber um benefício (nada que já não tenhamos feito antes: veja "O Contrato Social" de Jean Jaques Rousseau). A necessidade de determinar como e para onde deve caminhar a humanidade pautou as decisões dos setores governamentais - não podemos separar dessas decisões o medo do outro, do estrangeiro, da cultura estranha à sua.
Sabemos que o medo e a ambição incitaram o desejo de conquistar o mundo. Mesmo sabendo que a globalização está em processo desde o início da civilização - diría até que a própria civilização é esse processo -, as diferenças entre os povos ainda é gritante e causa dos muitos males que sofremos. É por causa dessa diferença - que origina o conceito de superioridade - que muitos repudiam violentamente a raça e cultura do outro. É esse fator que garante a sobrevivência da espécie num habitat hostil, mesmo que a ideologia e a guerra - em todas as épocas - contrariem, às vezes, essa constatação. A globalização e sua consequente padronização dos costumes poderá, finalmente, minimizar esse tipo de violência. Tendo essa mudança na relação entre os seres-humanos como um fator desejável, podemos inferir que a globalização é benéfica. Se esta é fundamental para a redução das diferenças e consequente aceitação do outro só nos resta desejar que ela se consolide. Afinal, quem não deseja viver em paz com seu conterrâneo, com o indivíduo de outra raça, com aquele que habita os rincões do mundo? Quem não deseja a paz? Sómente aquele que obtém lucro com a guerra; só aquele que possui índole maléfica e obtém prazer em causar o mal; só aquele que se encontra possuído pela noção falsa de superioridade...
Há quem defenda a não globalização, pois vê nesta o fim daquelas diferenças que enriquecem a cultura humana. Vê nesses traços individuais a razão sine qua non da existência humana. Quem não se admira das artes e invenções criadas tanto pelo ocidente quanto pelo oriente; seus diferentes pontos de vista a respeito de qualquer assunto? Digo, de antemão, que nada disso se perderá com a consolidação da globalização. Os individuos, por mais que vivam sujeitos a um mesmo padrão cultural, não deixarão de viver em pontos longíquos do planeta e mesmo que venham a falar uma única língua, não deixarão de apresentar sotaques, por mais sutís que sejam. E produzirão arte tão distinta uma das outras quanto hoje o fazem. Um individuo só é plenamente identico à outro na ficção - e mesmo nela, a diferença é o tema principal da obra. Na realidade, mesmo com interferência genética, nós somos e continuaremos a ser diferentes uns dos outros. Pelo menos é o que supunho, mesmo tendo em vista a atual condição da ciência genética e cibernética. Presumo que num futuro relativamente distante, o ser-humano que habitará a terra será um indivíduo privilegiado tendo a seu serviço toda uma gama de robôs. Todo serviço não honroso e subalterno, porém estritamente necessário, será efetuado por essas criaturas de metal capacitadas por micros computadores em lugar de cérebros, e não por pessoas consideradas inferiores por qualquer traço que as diferencie.
É natural que aceitemos o fato de que a humanidade será reduzida consideravelmente em comparação à demografia atual. A não ser que seja designada - o mais provável - para a exploração e povoamento de novos planetas: a exemplo de um passado remoto quando as metrópoles exploravam suas colônias na africa e no novo mundo. Considerando essa possibilidade é de se supor que o planeta será, em algum momento desse processo, preservado - ou o que restar dele. É claro que as diferenças sociais permanecerão, mas, tendo em vista uma padronização também na qualidade de vida, essas diferenças poderão ser atenuadas: o que minimizará o sentimento de inferioridade dos menos afortunados.
Imaginemos um mundo onde só existe uma língua; um mundo onde todos podem se comunicar beneficiados por esse fator. Um mundo sem fronteiras, onde qualquer um detém o direito e o privilégio de ir e vir justamente por serem todos de uma mesma nacionalidade. Um mundo onde só existe um governo (melhor supor, neste caso, a aplicação do conceito de adminstração, mais apropriado à um mundo novo) e, portanto, nenhum outro para fazer oposição. Um mundo onde só existe uma moeda, onde a inexistência de uma superioridade econômica sugere também a inexistência dos conflitos desencadeados em caso contrário. Imaginemos, através de séculos de cruzamentos, a homogeneização das raças. Com isso obteremos o fim dos preconceitos e dos violentos conflitos que tanto caracterizam o confronto das raças em nosso tempo. Só uma raça preconceituosa e presunçosa não toleraria a possibilidade de perecer em favor de uma raça de características universais. Se a diferença entre as raças e entre os indivíduos de uma mesma raça é fator de inúmeras vantagens é também fator determinante de inúmeras desvantagens (se hoje o mestiço é visto como um individuo oscilando entre duas culturas, num contexto onde ele torna-se a regra e não a exceção, essa situação desconfortável simplesmente desaparece). Muito dos benefícios produzidos por estas diferenças não desaparecerão numa cultura socialmente padronizada: a capacidade do ser-humano em criar permanecerá inata. O acesso à cultura seria determinado pela capacidade individual e não totalmente, como hoje, pelo privilégio da raça e condição sócio-econômica.
Há muito o que refletir sobre esse assunto. Não sou autoridade, apenas um curioso que pensa, às vezes, na possibilidade nada remota de uma padronização da cultura e do elemento humano. Gostaria que os visitantes desse blog postassem sua opinião a respeito desse assunto para que possamos desenvolvê-lo a um nível de satisfação. Nada é mais atual e urgente que esse assunto, pois esse provável mundo não está assim tão longe de sua consolidação. Estou ciente de que nenhuma ficção literária ou cinematográfica à respeito trata com seriedade as provaveis consequências dessa consolidação. O processo dessa consolidação pode, sim, originar conflitos e confrontos violentos num futuro breve, pois sabemos como algumas nações contemporâneas ainda insistem em manter-se fora desse contexto universal que vêm sendo buscado desde tempos imemoriais; mal sabem eles que já se encontram dentro do processo e que apenas o ego de algum tirano narcisista teima em fazer crer que a não integração é que é a opção correta.
Sujeito este texto a inserção, a qualquer momento que julgar necessário, de novas considerações sobre o assunto, inclusive à mudança de alguma já postada, caso compreenda que a mesma requer novo tratamento. As opiniões que se pronunciarem serão postadas como comentários à parte do texto, seguindo as determinações do blogger.

Gilberto Lins

sábado, 7 de novembro de 2009

Videos: curiosidades



Videos postados com o único propósito de entreter os navegantes que neste porto ancorarem, mesmo que estejam apenas de passagem. Uma viagem pelos meandros da rede pode ser cansativa, principalmente para aqueles que não têm destino definido.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Crônica: uma catarse


São Paulo sob o olhar crítico de um filho adotivo

Lembra-te, São Paulo, quando pousei os pés pela primeira vez em teu solo? Lembra-te de como me recepcionaste? Imbuída de um espírito patriótico cercou-me de "milicos" numa calçada em frente a antiga rodoviária, situada próxima a Estação Júlio Prestes, na qual eu recém desembarcara, e os fez, em coro, exigirem que eu despisse a calça do exército brasileiro que trajava - diga-se de passagem, com certo orgulho de rebeldia comum aos jovens da década de 70 -, mas não com desrespeito à instituição. Ali, diante dos transeuntes curiosos, um tanto acuado no interior de um círculo formado por jovens como eu, despi, consntragido, induzido pelos argumentos incontestávelmente agressivos, a calça verde oliva, entregando-a ao mais graduado entre os soldados. Em seguida vesti outra calça e sob censuras e recomendações de que não deveria tratar com vulgaridade o símbolo e o patrimônio do Exército Brasileiro, fui liberado sem mais penalidades.
Então, neste momento e sob o efeito desse desconforto, olhei-te longamente, São Paulo, e vislumbrei pedaços de seu céu acima do topo de seus arranha-céus. Me surpreendi com tuas ruas extremamente movimentadas e verifiquei que um tom acinzentado prevalecia sobre todas as outras cores ao redor, tornando-as decepcionantemente pálidas. Para qualquer lado que me virasse lá estava o referido tom cinza, em suas infinitas gradações, a dominar toda a paisagem urbana. Era essa a cor da sua pele, revelada num choque visual?
Eu vinha do Paraná e rumava em direção ao Rio de Janeiro e tu serias apenas uma estação intermediária nesse trajeto; no dia seguinte retomaria a viagem. Recordava-me nesse instante, de um outro dia no passado quando te vi pela primeira vez, também em trânsito, do interior de um ônibus, rodando por tuas ruas entre teus edifícios, e só o que ficara impresso na minha mente juvenil fora a tua atmosfera escura e cinzenta. Olhei espantado para tuas torres pontiagudas e convergentes apontando para o céu e cerrando-o como se quisessem mesmo barrar sua presença. Uma garoa fina contribuía para o estabelecimento de uma atmosfera sombria. Em minha memória ficou gravada essa tua imagem: uma cidade constituída de desfiladeiros e transitada por zumbis apressados. Senti alívio - confesso-o - por não precisarmos descer do ônibus e uma reconfortante alegria dominou-me completamente quando atingimos a Rodovia Castelo Branco e pude vislumbrar novamente o céu aberto e todos os seus horizontes. Nesse dia eu retornava para casa após uma viagem que incluíra uma estadia no Rio de Janeiro. Esta cidade, com amplos horizontes, contrastava com a ausência de espaço em ti verificada. Mas, ironicamente, apesar de ter estado em muitos lugares interessantes nestas viagens, o que permaneceu encravado em minha memória foi justamente o teu perfil. Foi assim que a nossa relação teve início: enquanto revelava sua indumentária sombria e seu caráter hostil, eu apenas buscava me manter o mais distante possível de sua influência perturbadora.
De volta do Rio de Janeiro nesta viagem contemporânea, hospedei-me temporariamente na casa de uma tia, situada na Vila Nova York - um bairro em sua periferia. Arrumei um emprego de vendedor de carnê do "Baú da Felicidade", empresa de propriedade de sua mais folclórica personalidade: Silvio Santos. Através deste emprego, São Paulo, eu conheci as tuas profundezas e os teus cantos mais recônditos; tuas ruas íngremes e teus becos desolados; teus cortiços e vilas, vielas e avenidas. Deparei-me com tua gente dependurada nos topos dos morros, fincadas nas tuas encostas; admirei tuas mansões e me deprimi com tuas favelas, córregos e riachos fétidos - verdadeiros depósitos de lixo: fábricas mesmo de doenças e viveiro de ratos. Compreendi o desejo desesperado de fuga da miséria de teus excluídos, representado no acalanto de sonhos repletos de promessas não cumpridas.
Ao revelar-se dessa maneira, o que esperava de um sujeito incauto como eu? Admiração ou repulsa? Hoje sei que não esperava nada; apenas desejava se revelar sem retoques para que pudesse ser compreendida e aceita, se possível, exatamente como é. E assim é tu, São Paulo: um monstro constituído de cimento, aço, vidro e asfalto; de tamanho incomensurável, estendendo-se, sem piedade, sobre a superfície desse chão. Constituí-se, a bem da verdade, num oásis de características próprias, nutrindo - embora de forma distinta - os viajantes que em teu solo buscam alento. És consciênte do quanto o teu temperamento é inconstante? Sabe o quanto nos afeta essas tuas mudanças repentinas de humor? Quando verte tuas lágrimas teus rios transbordam e quase nos afogam em caudalosas torrentes; quando o calor de tuas paixões irrompem à superfície, incinera seus edifícios e todos os que lá habitam ou labutam; quando estás apressada no trânsito atropela e mata sem piedade quem encontra pela frente; e na sua ânsia por justiça social toma de assalto as avenidas e praças com suas passeatas e clama, enfurecida, ostentando cartazes e gritando slogans com a cara pintada, pelas mudanças que exige. Até despencastes mais de uma vez dos céus esborrachando-se sobre seu duro solo, cuspindo para fora os corpos carbonizados daqueles que confiaram na segurança de seus vôos.
Seus contrastes são tão imensos quanto a sua extesão territorial, pois eis que desfila linda e faceira, vestida em trajes de corte preciso, feito sob medida em tecidos nobres, pelos bairros elegantes e recobre-se de farrapos nas favelas. Pretende-se culta e educada nos Jardins e vomita ignorância na periferia. Com uma mão distribui alento a quem dele necessita - pelas ruas e através de instituições voltadas para a filantropia -, e com a outra subtrai, com o uso da violência, os pertences - quando não a vida - daqueles que engrossarão as estatísticas policiais. Como mãe não se constitui num exemplo a ser imitada: ampara e encaminha algumas de suas crianças deixando outras entregues à própria sorte. Ouvimos diariamente no noticiário como as empilha nas casas de recuperação. Vemo-las perambulando pelas ruas e praças do centro com os narizes enfiados em sacos plásticos cheirando cola e entorpecendo suas mentes infantis de maneira irreversível. Vemo-las também com as mãos enfiadas nos bolsos dos idosos a lhes subtrair, como animais raivosos num ambiente inóspito e hostil, o substrato para a sua sobrevivência. Tens consciência de todos os teus atos, São Paulo? Estou sendo sarcástico demais? Deveria ser menos rigoroso da definição de sua personalidade? Não, não creio. Devo acrescentar, porém que tenho plena consciência de seus incontáveis esforços para oferecer-se melhor para os que insistem em ti confiar e permanecer sob sua guarda. Sei que sopra migalhas de sua fartura em direção à periferia para onde escorraça aqueles que tu rejeita, menos para socorrê-los do que para mantê-los convenientemente afastados e disponíveis aos seus anseios de progresso.
Em teu seio conheci a Liberdade; vaguei de um lado a outro de sua geografia sem obrigar-me a fazer nenhuma escolha: Pinheiros, Vila Maria, Vila Formosa, Jardim Bonfigliolli, Cerqueira Cézar, Vila Mariana, Santo Amaro, Santana, Interlagos, Pedreira. Em teu seio sorvi o néctar da independência; trabalhei sob tuas regras e condições sem requerer privilégios e não me resignei quando me estendestes teus grilhões: esses mesmos que reserva aos que de ti dependem. Em ti me firmei como homem compondo com pedaços de sua carne a matéria de meu próprio corpo e mente. Habitei teu, por vezes, frio e indiferente coração, e excursionei muitas vezes em teu cérebro e lá me fartei da luz que emana de teus sábios, dissipando as trevas que me impediam o conhecimento. Naveguei em tuas artérias incansavelmente e assim, como passageiro inusitado, através das janelas das lotações, desvendei os mistérios contidos em tua estrutura corpórea. Constituiu-se para mim um deleite apreciar tuas linhas arquitetônicas, tuas formas inovadoras, teu poder de auto-regeneração em sua metamorfose constante.
Que desconforto psicológico acarreta deparar-me com milhares de faces humanas num dia e jamais revê-las num outro. Quantos olhos tu possui metrópole, e quantos desses se comprazem comigo, me provocando comoção? Será essa imensa massa humana que se acotovela no metrô e lotações; nos milhões de automóveis com sua buzinas impertinentes que atravancam ruas e avenidas num arrastar-se contraditório, dadas as potências de seus motores? E quanto mais anos acumula, São Paulo, mais vigor ostenta. Realizou-se como a mais importante cidade do país; a mais rica, a maior renda per capita, o maior parque industrial, o maior centro financeiro da América Latina... E agregado a esses títulos, herdou outros menos admiráveis: títulos que trazem acoplados a violência, estatísticas demograficas nada elogiáveis, poluição generalizada, catástrofes imensuráveis, tragédias inexplicáveis, corrupção incrustrada, desemprego, assassinatos, atropelamentos, sequestros, assaltos, pobreza, miséria, fome, transporte ineficiente, déficit habitacional, lastimável condição dos serviços públicos, de sáude, segurança, infra-extrutura...
Entre idas e vindas findei por estabelecer um vínculo afetivo e duradouro contigo. Teus argumentos foram por demais persuasivos não me permitindo contra-argumentar. Sua sedução se consolidou ao oferecer-me possibilidades de crescimento particular. Sei que promete muito, como qualquer um de seus políticos na ânsia pelo voto, mas distintamente destes, cumpre tuas promessas àqueles que se empenham em seus objetivos. Mas estes são tantos que tens, obrigatoriamente, que garimpar entre os melhores.
E eu aqui, São Paulo, tratando-a como criatura feminina. Será porque é uma metrópole - uma imensa matrona, gorda e pançuda -, que têm a pretensão de prover todas as nossas necessidades? Será porque a defino como mãe: essa senhora casta, carinhosa e compreensível que perdoa, sem reservas, todos os nossos deslizes e nossas fraquezas? Ou será pai? Como o santo de quem emprestou o nome e que é considerado como um dos fundadores de uma religião?
Será pai, porventura, de alguma doutrina ou metodologia? Sei que em teu seio comporta, com elogiável mediação pacífica, todas as religiões do mundo. Mas creio particularmente que não tens a pretensão de enunciar verdades universais incontestáveis, visto que vive permanentemente colocando-as em confronto para que possam, através desse processo, extrair o supra-sumo de suas inferências. Tua realidade - esse seu aspecto que Caetano tão bem explicitou em sua famosa canção "Sampa" -, não pode ser considerado como um dogma irrefutável; é, antes, um aspecto negativo a ser combatido, vencido e transformado segundo os interesses gerais, mesmo que essa atitude revolucionária vá contra as ideologias das classes dominantes. Mas tu és mesmo feminina e masculina: figura incontestavelmente hermafrodita. Tu és um objeto e não uma deusa da materialidade, apesar de tê-la considerado como tal. É massa bruta, mineral e orgânica, a ser moldada incansavelmente pelas mãos de algum requintado artesão. É o pai que não tive e a mãe que se absteve da sua responsabilidade pelo menino que tu moldaste homem. Considera-me filho ingrato ao apontar mais seus defeitos e menos suas qualidades? Vai agora recusar-me, por isso, tuas fartas tetas à minha boca sedenta como tantas vezes o fez?
São Paulo, meu pai e minha mãe, obrigado pelo berço e pelo seio; pela fumaça negra, fedorenta e impregnante que exalas e que eu tenho que respirar; pelas distâncias físicas, imensuráveis, que tenho que transpor; pela riqueza e variedade dos alimentos que aqui aportam oriundos de todo o país; pela beleza irresitível de suas mulheres, por sua coragem e sentido de independência; pela sua artquitetura arrojada; pela imponência de seus monumentos; pela água escassa de seus reservatórios; pelas escolas suburbanas que tentam minimizar as diferenças entre suas classes sociais; pelos políticos corruptos que não hesitam em lesar vosso patrimônio; pela excelência de vossos intelectuais; pelo talento inquestionável de seus artistas; pela truculência de alguns de seus policiais; pela competência, honestidade e dedicação dos demais; pelos estragos das anacondas e seus filhotes; pela câmara de vossos vereadores que legislam quase sempre em causa própria e pelos que, nesta classe, vos defendem destes; pelo sangue esparramado no asfalto, nas escolas, nos ônibus, no metrô, nos Bancos, nas empresas, no trânsito...; pela morte cuspida das miras certeiras ds sicários; pelas balas perdidas que fatalmente encontram destinatários; pelos amigos que fiz...
Obrigado São Paulo, pai, mãe, irmão, amigo. Obrigado célebre desconhecido, por me receber e permitir que eu sufrua tudo o que venha conquistar. Náufrago, conduzido por águas resolutas aportei em suas margens. Eu, ser temporário, parabenizo vossa eternidade nesses passageiros 450 anos. Feliz Aniversário, Metrópole. Um dia ainda será como as maiores e mais idosas cidades do mundo e ostentarás - esse é o meu mais sincero voto - títulos que revelem tua tão esperada vitória sobre os males que a afligem neste momento em que redijo essa missiva.
Hoje sei que naquele dia perdido no tempo e na memória, aqueles jovens fardados, ao me constragerem quando me obrigaram a trocar a calça que trajava com o orgulho de um jovem rebelde, simbolizavam, à sua maneira, a exigência e o rigor de uma disciplina que futuramente eu adotaria - e traduziria como prudência -, como fundamental para uma convivência pacífica contigo. Sempre soube do que é capaz, São Paulo. Por isso nunca lhe cutuquei com vara curta. É fundamental conhecer-te bem para acorrermos ao teu abraço quando por isso clamas e reconhecer o momento certo de afastar-se quando te revelas zangada, a fim de evitar teus sopapos.
Sei que deixei de falar de muitas de tuas características, mas, sabes bem, é culpa tua mesmo; desse teu tamanho descomunal, que um mortal comum como eu não consegue abranger. Pois, veja só, quando acordamos na manhã seguinte, descobrimos que não dormistes apenas para trabalhar mais e continuar, ininterruptamente, a crescer, como se o seu tamanho atual não fosse suficiente para os seus insondáveis objetivos, e então revemos, nesse seu processo, um dos mais característicos traços de tua personalidade que findamos por incorporar: crescer sempre, sem limites, na direção de seus propósitos. Ave, São Paulo.


Crônica escrita na ocasião da comemoração dos 450 anos da cidade.